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A TIRANIA DA POSITIVIDADE E FELICIDADE FABRICADA NAS REDES SOCIAIS

Muitas pessoas não entram no famoso “espírito natalino”, não sentem a mesma a alegria que percebem nas outras pessoas.

Um pouco de história é útil: o Natal cristão foi uma lenta substituição da festa romana que celebrava, no solstício invernal de dezembro, o renascimento do sol e da luz, o natalis invicti solis. Era festa saturnal ou bacanal, que tinha elementos da festa dionisíaca dos gregos: excessos de energia e voluptuosidade, embriaguez e linchamento de um "rei momo" como oferenda para começar um novo ano, resquícios que encontramos em nossos Carnavais. Os cristãos fizeram sua leitura: começaram a celebrar o nascimento de Jesus, sol de reconciliação e paz. Ele é a luz no meio da longa noite.


O Natal é uma festa perigosa. Há quem fale em "síndrome natalina", certa tristeza, depressão natalina ou Christmas Blues. A causa não está no fato óbvio de ter se tornado festa de mercado e de consumo, resumido em jogos de troca de presentes. Também não está no sentimento de injustiça porque alguns têm muito para comprar e consumir e há pobres crianças que precisam de socorro para ter um mínimo do banquete. O perigo da tristeza e da depressão está mais fundo, ronda no espírito mesmo do Natal e em sua compreensão.


Este sentimento de falta de entrosamento com o que seria esperado no plano comportamental, seria equivalente ao sentimento que emerge em algumas pessoas na sexta feira à noite, quando se deparam com a seguinte realidade: “Vou pra casa sozinho quando tem tanta gente se divertindo!”.


Parece que existe um “complexo de positividade desesperada” onde se é obrigado a ser feliz (ou ao menos parecer), algo profundo, enraizado e apenas anabolizado pelas festas de fim de ano. Porém, qualquer obrigação pode oprimir. Nesse ponto, o papel das redes sociais representa um fator decisivo: pode funcionar como dissipador da sensação de solidão, na medida em que a tecnologia aproxima de certa forma aquilo que está fisicamente longe de você, mas também guarda a armadilha: comparação. A diferença entre o remédio e o veneno está no tamanho da dose.


Para os pesquisadores, a causa da depressão e ansiedade por causa do uso das redes sociais tem a ver com a natureza desse uso. As pessoas tendem a usar mais redes sociais como o Facebook, Tik Tok e Instagram, que são mais baseadas na aparência física, tirando fotos, fazendo vídeos e comentando sobre eles. Em ocasiões festivas com apelo afetivo/sentimental, como no caso do natal e dia das mães, esse fenômeno é ainda mais perceptível.

As razões pelas quais as pessoas se expressam e se manifestam de determinadas formas nas redes sociais têm uma miríade de alicerces tão profundos que precisaríamos de várias e várias páginas para começarmos a esboçar qualquer caminho para uma explicação. Não é, nem de longe, o objetivo desse nosso papo semanal super breve.


Consideremos apenas que o comportamento esperado das pessoas nessa época é postar nas suas redes sociais fotos e vídeos de confraternizações, mesas fartas, sorrisos largos e a casa cheia de amigos e parentes. Consequentemente, observamos o atual impacto das redes sociais no aumento de demanda e volume de ligações para as centrais de ajuda e, infelizmente, pelos índices de suicídio no período. E o que é significante nisso: os casos envolvem tanto anônimos, que sofrem introspectivamente ao seguir esses influencers que vendem felicidade nos seus perfis, quanto as próprias celebridades digitais, uma modalidade relativizada do paradoxo do palhaço triste.


Como amplamente discutido por Zygmunt Bauman na sua obra, as relações humanas tecidas virtualmente são mais frágeis porque são baseadas na imagem e não na substância. Há uma realidade nas redes e outra fora delas: 58% dos brasileiros ouvidos sentem-se insatisfeitos com sua vida atual.


O Grupo Consumoteca, liderado pelo antropólogo Michel Alcoforado, divulgou recentemente os resultados do estudo “Economia do mal-estar”, no qual avaliou a metrificação da felicidade na era das redes sociais – e como isso acaba gerando produtos que se oferecem como soluções rápidas para as angústias às vezes até agravadas por essa quase obrigatoriedade de estar ou parecer feliz. Foram entrevistadas três mil pessoas, numa etapa quantitativa, feita por meio de aplicativos online na América Latina, além de 15 grupos focais no Brasil.


Além do País, a Consumoteca, em parceria com Epiphania e Trop, ouviu cidadãos do México, Argentina e Colômbia. A ideia era analisar se existe felicidade além das redes ou se todos estão realmente presos ao padrão do mundo digital de provar com audiência, likes e comentários o quanto se é feliz.


Os brasileiros são os mais infelizes entre os países pesquisados: 58% sentem-se insatisfeitos com sua vida atual. Além disso, oito em cada dez pessoas dizem ter projetos que não conseguem tirar do papel, 41% acham que não fazem tudo que poderiam fazer por sua felicidade e 35% das pessoas se sentem mais negativas quando acompanham a vida dos outros nas redes sociais.


Para correr atrás desse “prejuízo” 65% consomem conteúdos sobre aprimoramento pessoal, 52% buscam alcançar a felicidade seguindo perfis motivacionais, 38% vão a eventos de desenvolvimento pessoal; 35% já realizaram algum processo de coaching e 34% leem livros de autoajuda.


Segundo Alcoforado, se antes, em sociedades capitalistas como as dos países avaliados no estudo, havia um caminho razoavelmente claro para a felicidade – trabalho, casamento e filhos – hoje, com tudo isso colocado em questão, já que vivemos a sociedade capitalista da informação, vale mais a jornada de busca da plenitude do que o chegar lá exatamente. Só que a apreciação dessa jornada não é feita somente por quem a vive, precisa também ter o aval da audiência online. No mundo do trabalho, aliás, 57% acham que terão de reinventar sua carreira e 58% gostariam de melhorar sua produtividade.


Com tudo isso, analisa o antropólogo, a velha história de “plantar e colher” foi substituída pelo postar, numa espécie de tirania da positividade, que no fundo deixa a sensação de as pessoas terem sempre de estar correndo atrás nesse páreo.


O principal problema dessa tirania da positividade é que obriga todo mundo a ser feliz, independente das circunstâncias do dia a dia ou da época do ano. O reflexo no consumo é que isso exacerba ainda mais e dá mais gasolina ao movimento da sociedade de consumo, porque as pessoas passam a achar que elas têm a obrigação de serem felizes e, para isso, têm também a obrigação de comprar coisas ou modificarem seus corpos cirurgicamente.


Segundo o estudo, o Brasil é o país mais insatisfeito do mundo. Do meu ponto de vista isso acontece por conta do processo de digitalização da sociedade brasileira e também do peso que as redes sociais têm no nosso dia a dia. O fato de todos estarmos conectados com os outros por meio do Instagram, LinkedIn, Facebook, Twitter etc., aumenta a percepção da comparação da vida que deu certo versus a vida que não deu. Isso faz com que as pessoas se sintam menos felizes.


A banalidade, o dia a dia não interessa a ninguém. A grande dificuldade é que os indivíduos precisam “bancar” quem eles são ou não são nas redes sociais e isso tem um dilema muito grande envolvido. Esse é o problema que precisamos olhar com muito carinho porque o fato de todos terem que ser positivos o tempo todo em relação à vida amplia, ainda mais, as dores de quem está passando por dificuldades. E não há uma vida só de felicidade, temos que lidar com o sofrimento, nosso e alheio.


Pessoas que abusam das redes sociais tendem a fazê-lo porque estão tendo problemas para construir conexões reais em suas vidas. Deve ser prazeroso ter uma conta verificada no instagram, mas se você não tem nenhum amigo na vida real com quem possa tomar um café e conversar sobre seu dia, então você pode se sentir profundamente triste e isolado. As interações no ciberespaço não são interações na vida real. Seus receptores de prazer certamente podem ser acionados se algumas pessoas gostarem das fotos da sua ceia de natal, mas esse sentimento pode se dissipar rapidamente se ninguém comentar seu próximo post de ano novo.


Por Erik Higino

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